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Primeiro capítulo de Espada de Vidro - Victoria Aveyard (Continuação de A Rainha Vermelha)


Não sei se vocês sabem, mas Victoria Aveyard publicou através do site da MTV o primeiro capítulo da continuação de A Rainha Vermelha, Glass Sword, oficialmente traduzido para Espada de Vidro.
O link a seguir está em inglês: http://www.mtv.com/news/2285144/glass-sword-excerpt/
Mas como sei que tem gente que não vai ter paciência de ler em inglês eu tentei traduzir pra vocês pro português, do melhor jeito possível. Desculpa por algum erro. Se vocês compartilharem a tradução por favor coloquem os credito para o blog.








Tradução: Primeiro capítulo de Espada de Vidro

Capítulo Um

Eu recuo. O pano que ela me dá está é limpo, mas ainda cheira a sangue. Eu não deveria me importar. Eu já tenho sangue por toda a minha roupa. O vermelho é meu, é claro. O prata pertence a muitos outros. Evangeline, Ptolemus, o senhor ninfo, todos aqueles que tentaram me matar na arena. Suponho que um pouco também seja do Cal. Ele sangrou muito quando estava na areia, foi cortado e ferido pelos que iriam ser nossos carrascos. Agora, ele está sentado na minha frente, olhando para os pés, deixando suas feridas começarem um lento processo de cura natural. Eu olho para um dos muitos cortes em meus braços, provavelmente feito por Evangeline. Ainda está fresco com uma profundidade suficiente para deixar uma cicatriz. Parte de mim fica feliz com o pensamento. Este corte irregular não desaparecerá magicamente pelas mãos frias de um curandeiro. Cal e eu não estamos mais no mundo dos Prata, para que alguém simplesmente apague nossas merecidas cicatrizes. Nós escapamos ou pelo menos, eu escapei. As correntes em Cal são um forte lembrete de que ele ainda está preso.

Farley cutuca minha mão, seu toque é surpreendentemente gentil.
- Esconda seu rosto, menininha elétrica. É o que eles estão buscando.

Pela primeira vez, eu faço como me dizem. Os outros seguem o exemplo, puxando o tecido vermelho sobre suas bocas e narizes. Cal é o último com rosto descoberto, mas não por muito tempo. Ele não luta contra Farley quando ela amarra a máscara no lugar, fazendo-o parecer um de nós.

Se ao menos ele fosse.

O zumbido elétrico coloca meu sangue fervendo, me lembrando da pulsação, que range no Subtrem. Ele nos leva inevitavelmente adiante, para uma cidade que já foi um paraíso. As rodas do trem, chiando sobre trilhos antigos como um Prata Silfo correndo em terreno aberto. Eu escuto o rangente metal, sinto-o profundamente em meus ossos, onde uma fria dor se assenta.  A raiva e força que tive quando estava na arena parecem apenas uma lembrança distante, foram deixadas para trás deixando em seu lugar apenas dor e medo.
Mal posso imaginar o que Cal deve estar pensando. Ele perdeu tudo, tudo o que ele mais apreciava: o pai, o irmão, o reino. Como ele está conseguindo agüentar tudo, ainda mais com o balanço do trem, eu não sei.

Ninguém precisa me dizer a razão da nossa pressa. Farley e seus guardas estão tensos como carretéis de aço, e isso é mais do que suficiente como explicação. Nós ainda estamos fugindo.

Maven já esteve aqui antes e ele virá novamente. Só que desta vez com a fúria de seus soldados, sua mãe e da sua nova coroa. Ontem ele era um príncipe; hoje ele é o rei. Eu pensei que ele era meu amigo, meu noivo, agora eu sei a verdade.
Uma vez que eu confiei nele. Agora eu sei odiá-lo, temê-lo. Ele ajudou a matar seu pai por uma coroa, e incriminou seu irmão por isso. Ele sabe que a radiação em torno da cidade em ruínas é uma mentira, uma artimanha e também conhece o lugar para onde o trem vai. O santuário construído por Farley já não é mais seguro, não para nós. Não para você.

Agora mesmo, nós poderíamos estar indo em direção uma armadilha.

Um braço se aperta em torno de mim, sentindo meu desconforto. Shade.

Eu ainda não consigo acreditar que meu irmão está aqui, vivo e o mais estranho de tudo, ele é como eu. Prateados e Vermelhos e mais forte que ambos.

- Eu não vou deixar que eles a levem de novo, - ele murmura tão baixo que eu mal posso ouvi-lo. Eu devo lealdade a ninguém mais que a Guarda Escarlate, até mesmo a família não é permitido. - Eu prometo isso a você.

Sua presença é reconfortante, me leva de volta no tempo. Antes de seu recrutamento, a uma primavera chuvosa quando ainda podíamos fingir que éramos crianças. Nada existia além da lama, do vilarejo e nosso hábito tolo de ignorar o futuro. Agora o futuro é tudo em que posso pensar, fico me perguntando a que destino obscuro minhas ações vão nos levar.

- O que vamos fazer agora? - Eu pergunto para Farley, mas meus olhos encontraram os de Kilorn. Ele está do lado dela, um guardião zeloso com a mandíbula apertada e curativos ensangüentadas. E pensar que ele era um aprendiz de pescador há pouco tempo atrás. Como Shade, ele parece fora do lugar, um fantasma de um tempo anterior a tudo isso.

- Há sempre um lugar para onde ir, - Farley responde mais concentrada em Cal do que qualquer outra coisa. Ela espera que ele lute, resista, mas ele faz nada disso.

- Mantenha suas mãos sobre ela, - diz Farley, voltando-se para Shade depois de um longo momento. Meu irmão acena com a cabeça, e sua mão se sente pesada no meu ombro.
- Não podemos perde-la.

Eu não sou um general ou um tático, mas suas razões são claras. Eu sou a menininha elétrica – eletricidade viva, um relâmpago em forma humana. As pessoas sabem meu nome, meu rosto e minhas habilidades. Eu sou valiosa, sou poderosa e Maven irá fazer de tudo para me impedir de revidar. Como meu irmão pode me proteger do retorcido novo rei, ainda quando ele seja como eu ou que até mesmo seja a coisa mais rápida que eu já vi, eu não sei. Mas ainda assim devo acreditar mesmo que para isso seja necessário um milagre. Afinal de contas, eu já vi tantas coisas impossíveis, outra fuga seria o menor deles.

O clique e o deslizar de uma arma ecoam no trem enquanto a Guarda se prepara. Kilorn desloca-se para ficar na minha frente, se balançando levemente, seu agarre é forte sobre o fuzil pendurado em seu peito. Ele olha para baixo, sua expressão é gentil. Ele tenta sorrir, me fazer rir, mas seus brilhantes olhos verdes estão sérios e com medo.

Em contraste, Cal senta-se calmamente, quase pacificamente. Embora ele tenha mais a temer - acorrentado, cercado por inimigos, caçado por seu próprio irmão - ele parece sereno. Eu não estou surpresa. Ele é um soldado dos pés à cabeça. A guerra é algo que ele entende e certamente estamos em guerra agora.

- Eu espero que você não tenha a intenção de lutar - ele diz, falando pela primeira vez em muito tempo. Seus olhos estão em mim, mas suas palavras mordazes são para Farley. - Eu espero que você tenha planejado fugir.

- Guarde seu fôlego, Prata. - Ela quadra os ombros. - Eu sei o que tenho que fazer.

Eu não posso impedir que as palavras saiam da minha boca.
- Ele também sabe. - Ela me fuzila com o olhar, mas eu já lidei com coisas piores. Eu nem sequer pisco. - Cal sabe como eles lutam, ele sabe o que eles vão fazer para nos parar. Use-o.

Como é a sensação de ser usada? Ele cuspiu essas palavras em minha direção quando estávamos presos no Ossário e então isso me fez querer morrer, mas agora eu mal as sinto.

Ela não diz nada e isso é suficiente para Cal.

- Eles vão ter Cabeças de dragão - diz ele severamente.

Kilorn ri em voz alta.

- Flores?

- Jatos aéreos – diz Cal, com os olhos faiscando com desgosto. - Asas laranja, corpo de prata, um único piloto, fácil de manobrar, perfeito para um assalto urbano. Eles carregam quatro mísseis cada um. Multiplica isso por um esquadrão inteiro, isso nos deixa com quarenta e oito mísseis, dos quais você terá que correr, além da munição de luz. Você pode lidar com isso?

Ele escuta apenas silêncio como resposta. Não, não podemos.

- E os Dragões são a menor dos nossos problemas. Eles ficarão circulando, defendendo o perímetro, fazendo ficarmos no lugar até que tropas terrestres cheguem.

Ele baixa os olhos, pensando rapidamente. Ele está se perguntando o que faria se ele estivesse do outro lado. Se ele fosse rei no lugar de Maven.

- Eles vão nos cercar e apresentar um acordo. Eu e Mare em troca da fuga de vocês.

Outro sacrifício. Lentamente, eu solto a respiração. Esta manhã, ontem, antes de toda essa loucura, eu teria ficado feliz em me entregar para salvar apenas Kilorn e meu irmão. Mas agora... agora eu sei que sou especial.  Tenho outros aos quais proteger. Agora eu não posso ser perdida.

- Nós não podemos concordar com isso - eu digo. A verdade é amarga. O olhar de Kilorn pesa sobre mim, mas eu não olho para cima. Eu não consigo agüentar seu julgamento.

Cal não é tão duro. Ele balança a cabeça, concordando comigo.
- O rei não espera que a gente ceda - ele responde. - Os jatos irão fazer que as ruínas caiam em cima nós e o restante vai vaporizar os sobreviventes. Será pouco mais que um massacre.

Farley é uma criatura orgulhosa, mesmo agora quando ela está terrivelmente encurralada.

- O que você sugere? - Pergunta ela, inclinando-se sobre ele. Suas palavras escorrer desdém. - Rendição total?

Algo como desgosto atravessa o rosto de Cal.

- Maven ainda vai te matar. Em uma cela ou no campo de batalha, ele não vai deixar qualquer um de nós vivo.

- Então é melhor que morramos lutando.

A voz de Kilorn soa mais forte do que deveria, mas há um tremor em seus dedos. Ele parece com o resto dos rebeldes, dispostos a fazer qualquer coisa pela causa, mas ainda assim o meu amigo ainda está com medo. Ele ainda é um menino com apenas dezoito anos, ainda com muito para viver e poucas razões para morrer.

Mesmo não dizendo nada, Cal despreza a forte, porém insolente declaração de Kilorn, ele sabe que uma descrição mais gráfica da nossa iminente morte não vai ajudar em nada.

Farley não compartilha de seu sentimento e com um movimento de mãos, desfaz das duas afirmações. Atrás de mim, meu irmão é um espelho de sua determinação.

Eles sabem algo que nós não, algo que eles não querem nos dizer ainda. Maven nos ensinou o alto preço que pagamos ao confiar na pessoa errada.

- Não seremos os que irão morrer hoje, - é tudo o que ela diz antes de marchar em direção a parte da frente do trem. Suas botas soam como martelo caindo no piso de metal, cada pisada marcada com obstinação.

Eu sinto o trem ficar lento antes mesmo de acontecer. A eletricidade diminui, enfraquecendo, à medida que deslizamos para estação de metro. Eu não sei, o que talvez encontremos nos céus acima de nós, talvez nevoeiro branco ou quem sabe jatos aéreos com asas laranjas. Os outros não parecem se importar, saindo do Subtrem com uma forte determinação. Em silêncio, a Guarda armada e mascarada parecem verdadeiros soldados, mas eu sei a realidade. Eles não são páreo para o que está vindo.

- Prepare-se. - A voz de Cal silva no meu ouvido, me fazendo tremer. Isso me faz lembrar de algum tempo atrás, de dançar sob o luar. - Lembre-se o quão forte você é.

Kilorn caminha até meu lado, nos separando antes que eu possa responder a Cal que minha força e habilidade são as únicas coisas das quais estou segura agora. A eletricidade em minhas veias pode ser a única coisa na qual eu confie neste mundo.

Eu quero acreditar na Guarda Escarlate, e certamente em Shade e Kilorn, mas eu não deixarei que isso aconteça, não depois de terem quebrado minha confiança. Minha cegueira em relação a Maven nos meteu nisso. E com respeito a Cal eu não posso nem cogitar em confiar. Ele é um prisioneiro, um Prateado, o inimigo que nos trairia se pudesse – se tivesse algum outro lugar para o qual pudesse fugir.

Ainda assim, de alguma forma, eu me sinto ligada a ele. Eu me lembro do preocupado menino que me deu uma moeda de prata quando eu não era nada. Com esse gesto ele mudou o meu futuro e destruiu o próprio.

Nós temos uma aliança – uma desconfortável aliança que foi forjada por sangue e traição. Estamos conectados, unidos – contra Maven, contra todos os que nos enganaram, contra o mundo que está prestes a se autodestruir.

O silêncio nos aguarda. Névoa cinza e úmida paira sobre as ruínas de Naercey, trazendo o céu ficar tão perto de nós que eu quase posso tocá-lo. Está frio, com aspecto de outono, a estação da mudança e da morte. Não há nada no céu ainda, não tem os jatos que irão causar a destruição de uma cidade já arruinada. Farley marca um ritmo acelerado, guiando-nos do caminho de trilhos para o campo aberto, para a avenida abandonada. Os destroços suspiram como um desfiladeiro, mais cinzento e quebrado do que eu me lembrava.

Caminhamos rua abaixo em direção ao leste para a beira-mar encoberta. As altas estruturas, meio destruídas se levantam sobre nós, suas janelas são como olhos que nos observando passar. Prateados poderiam estar nos esperando entre os escombros com arcos mortíferos prontos para atacar a Guarda Escarlate. Maven poderia me fazer observar como ele derrota os rebeldes um por um. Ele não me daria o luxo de uma morte limpa e rápida. Ou pior, eu penso. Ele não me deixaria morrer de jeito nenhum.

O pensamento congela meu sangue como um toque trêmulo de Prata. Por mais que Maven tenha mentido para mim, eu ainda conheço um pouco de seu coração. Eu me lembro dele me agarrando através das grades da cela, segurando- me com seus dedos trêmulos. E eu me lembro do nome que ele guarda dentro, o nome que me faz lembrar que um coração ainda bate no peito dele. Seu nome era Thomas e eu assisti ele morrer. Ele não conseguiu salvar aquele menino, mas ele pode me salvar, do seu próprio distorcido jeito.

Não. Eu nunca lhe darei a satisfação de conseguir tal façanha. Eu preferiria morrer.

Porém por mais que eu tente, eu não consigo esquecer os vestígios de quem eu pensei que ele fosse, o príncipe que se sentia perdido e que era deixado em segundo plano. Eu gostaria que essa pessoa fosse real. Que ela existisse em algum outro lugar além das minhas memórias.

As ruínas Naercey ecoam de forma estranha, mais tranqüilas do que deveriam ser. De repente eu percebo o porquê. Os refugiados fugiram. A mulher varrendo montanhas de cinzas, as crianças escondidas nos bueiros, as sombras que eram feitas pelos meus irmãos e irmãs Vermelhos - todos se foram. Não sobrou ninguém além de nós.

- Pense o que quiser Farley, mas saiba que ela não é estúpida,- Shade diz, respondendo a minha pergunta antes mesmo de eu perguntar. – Ontem à noite, ela enviou a ordem de evacuar, depois de conseguir escapar Archeon. Ela pensou que você ou Maven entregariam tudo se fossem torturados.

Ela estava errada. Não houve necessidade de torturar Maven. Ele deu as informações de forma voluntária. Ele abriu a cabeça para sua mãe, deixando-a vagar através de tudo o que ele tinha visto. O Subtrem, a cidade secreta, a lista. Agora são tudo dela, como ele sempre foi.

A formação de soldados da Guarda Escarlate estende-se por trás de nós, uma aglomeração desorganizada de homens e mulheres armados. Kilorn marcha diretamente atrás de mim, seus olhos flamejando, enquanto Farley nos lidera. Dois soldados corpulentos mantêm Cal na cola dela, segurando seus braços fortemente. Com seus lenços vermelhos, eles se parecem com algo saído de um pesadelo. Mas há tão poucos de nós agora, talvez trinta, todos com ferimentos. São poucos os que sobreviveram.

- Não há suficiente de nós para manter essa rebelião, ainda que consigamos escapar de novo, - eu sussurro para meu irmão. A densa névoa abafa minha voz, mesmo assim ele me ouve.

Os cantos de sua boca dobram, querendo sorrir.

- Isso não é da sua conta.

Antes que eu possa pressioná-lo, o soldado na nossa frente para. Ele não é o único. Na fila da frente, Farley levanta um punho, olhando para o céu cinza-ardósia. O restante de nós olha para ela, tentando descobrir aquilo que não conseguimos perceber. Apenas Cal mantém os olhos no chão. Ele já sabe qual será o nosso destino.

Na distancia, um grito desumano descende através da névoa. Este som é mecânico e constante, circulando acima de nós. E ele não está sozinho. Doze sombras em forma de seta cruzam através do céu, suas asas laranjas cortam por dentro e por fora das nuvens. Eu nunca vi um jato aéreo direito, não de tão perto ou sem a proteção da noite, por isso não posso impedir que minha mandíbula de caia aberta quando eles entram na minha vista. Farley ladra ordens a Guarda, mas eu não ouça nada do que ela diz. Estou muito ocupado olhando para o céu, observando os arcos sobre nós. Como no mundo de Cal, as máquinas voadoras são bonitas, o aço e vidro curvado de forma quase impossível. Suponho que um magnetron teve algo a ver com sua construção - de outra forma como metal poderia voar? Motores de ignição tingidos de azul se localizam sob suas asas, é o sinal revelador de eletricidade. Eu consigo senti-lo, como um sopro contra a pele, porém eles estão longe demais para me afetar. Eu só consigo ficar assistindo tudo com horror.

Eles fazem barulho e voltas ao redor da ilha de Naercey, nunca quebrando o padrão. Eu quase posso fingir que eles são inofensivos, nada além de pássaros curiosos que vieram ver os restos destruídos de uma rebelião. Então um dardo de metal cinza navega sobre nossas cabeças, deixando um rastro de fumaça, movendo-se quase rápido demais para vermos. Ele choca contra um prédio na avenida, desaparecendo através de uma janela quebrada. Uma explosão de vermelho-alaranjado detona uma fração de segundos depois, destruindo todo o andar do prédio já em ruínas. Ele implode para dentro, destruindo os suportes de mais mil anos de idade, que quebram como palitos de dente. Toda a estrutura desmorona, caindo tão lentamente que a visão não parece real. Quando ele atinge o chão, bloqueando o caminho à nossa frente, eu sinto um rugido no fundo do meu peito. Uma nuvem de fumaça e poeira nos atinge de frente, mas isso não me acovarda. É necessário mais do que isso para me assustar agora.

Através da névoa cinza e marrom, Cal se ergue ao meu lado, mesmo quando seus captores se agacham. Nossos olhos se encontram por um momento, e seus ombros caem. É o único sinal de derrota que ele vai me deixar ver.

Farley agarra o guarda mais próximo, colocando-o de pé.

- Espalhem- se! - Ela grita, apontando para os becos em ambos os lados de nosso caminho. - Para o lado norte, para os túneis! - Ela aponta para seus tenentes enquanto fala, dizendo-lhes para onde ir. - Shade, vá para o parque! - Meu irmão acena com a cabeça, sabendo o que ela quis dizer. Outro míssil cai em um edifício próximo, abafando o que ela diz. Mas é fácil decifrar o que ela está gritando.

Corram.

Parte de mim quer ficar, quer lutar. Minhas faíscas roxas e brancas, certamente me farão um alvo e levariam os jatos para longe da fugitiva Guarda. Eu poderia até mesmo levar um avião ou dois comigo. Mas isso não pode acontecer. Eu tenho um valor maior do que o resto, mais do que máscaras vermelhas e curativos. Eu e Shade devemos sobreviver, se não pela causa, então pelos outros. Pela lista de centenas como nós - híbridos, anomalias, anormais, seres de existência improvável, vermelhos e prateado - que certamente morreram se nós falharmos.

Shade sabe isso tão bem quanto eu. Ele prende seu braço no meu, seu aperto tão forte que deve deixar hematomas. É quase fácil demais correr em sintonia com ele, deixá-lo me guiar para fora da grande avenida e para dentro de um emaranhado de árvores verdes-cinzas, cobertas de vegetação que se espalham pela a rua. Quanto mais profundamente nos adentramos, mais espessas elas se tornam, retorcidas como dedos deformados. Mil anos de negligência transformaram esta pequena parcela em uma selva morta. Ela nos protege do céu, até que só podemos ouvir os jatos circulando cada vez mais perto. Kilorn nunca fica muito por trás de nós. Por um momento, eu posso fingir que estamos de volta a casa, vagando por Palafitas, à procura de diversão e problemas. Parece que problemas eram as única coisas que conseguiamos encontrar.

Quando finalmente Shade derrapa até parar, nossos calcanhares estão com cicatrizes e sujeira. Eu dou um tentativo olhar ao redor. Kilorn está parado ao nosso lado, seu rifle aponta inutilmente em direção ao céu, porém ninguém mais no segue. Eu não consigo mais ver a rua ou os “panos vermelhos” fugindo para as ruínas.

Meu irmão olha através dos ramos das árvores, observando e esperando os jatos voarem para longe.

- Para onde estamos indo?  - Pergunto a ele, sem fôlego.

No lugar dele Kilorn responde.

- Ao rio, - diz ele. - E então ao oceano. Você pode nos levar? - Ele olha para as mãos de Shade, como se ele pudesse ver sua habilidades através da carne. Mas a força de Shade está escondida como a minha, invisível, até o momento ela escolhe revelar-se.

Meu irmão balança a cabeça.

- Não em um salto, é muito longe. E eu prefiro correr, guardar minhas forças. - Seus olhos escurecem. - Até que nós realmente precisemos dela.

Aceno com a cabeça, concordando. Eu sei em primeira mão como é ter as habilidades gastas, ficar cansada até os ossos, incapaz de se mover, muito menos lutar.

- Para onde eles estão levando Cal?

A minha pergunta faz Kilorn estremecer.

- Como se me importasse.

- Você deveria - eu respondo, ainda que minha voz trema com hesitação. Não, ele não deveria. Você também não deveria. Se o príncipe se foi, você deve deixá-lo ir. - Ele pode nos ajudar a sair dessa. Ele pode lutar com a gente.

Ele vai fugir ou nos matar no segundo dermos uma bobeada - ele estala, arrancando o lenço para mostrar um cenho franzido com raiva.

Na minha cabeça, eu vejo o fogo que Cal produz. Ele pode queimar tudo em seu caminho, de metal a carne.

- Ele já poderia ter matado você, - eu digo. Não é um exagero e Kilorn sabe disso.

- De alguma forma eu pensei que vocês dois superariam essas briguinhas, - diz Shade, nos separando. - Que tolo eu fui.

Kilorn solta um forçado pedido de desculpas por entre os dentes, mas eu não irei fazer tal coisa. Meu foco está nos jatos, deixando seus corações elétricos baterem juntos ao meu. Eles estão enfraquecendo a cada segundo que passa, ficando cada vez mais longes
.
- Eles estão voando para longe de nós. Se nós vamos ir, agora é a hora.

Tanto o meu irmão como Kilorn olham para mim de forma estranha, mas não discutem o que eu falei.

- Por aqui - Shade diz, apontando por entre as árvores. Uma pequena trilha, quase invisível serpenteia através delas, onde a sujeira foi varrida para revelar pedra e asfalto. Mais uma vez, Shade coloca seu braço no meu e Kilorn corre na nossa frente, estabelecendo um ritmo rápido a qual seguirmos.

Ramos raspam contra nós, inclinando-se sobre o caminho estreito, até ficar impossível para que pudéssemos correr lado a lado. Mas em vez de me deixar ir, Shade aperta ainda mais o meu braço. E então eu percebo que na verdade ele não está me apertando. É o ar, o mundo. Tudo está me apertando em uma bolha, por um escuro segundo. E então, num piscar de olhos, estamos do outro lado das árvores, olhando para trás para ver Kilorn emergir do bosque cinza.

- Mas ele estava na frente, - murmuro em voz alta, olhando para frente e para trás entre Shade e o caminho. Nós cruzamos para o meio da rua, com o céu e a fumaça ao nosso redor.
- Você...

Shade sorri. A ação parece fora do lugar contra o ruído distante dos jatos.
- Digamos que eu... saltei. Enquanto você estiver me segurando, você será capaz de vir junto - diz ele, antes de nos fazer correr para a próxima pista.

Meu coração dispara com o conhecimento de que eu simplesmente fui teletransportada, é tão surreal ao ponto de é quase possível esquecer-se da nossa situação.

Os jatos são um rápido lembrete de tudo. Outro míssil explode ao norte, trazendo mais um edifício abaixo com o estrondo de um terremoto. Poeira se propaga como uma onda pela trilha, pintando-a com outra camada de cinza. Agora, fumaça e fogo são tão familiares para mim que eu mal sinto o cheiro que desprendem, até quando as cinzas começam a cair como neve. Nós deixamos nossas pegadas nela. Talvez elas sejam as últimas marcas que deixemos.

Shade sabe para onde ir e o ritmo que devemos correr. Kilorn não tem problemas para acompanhar o passo, ainda com o peso do rifle. Até agora, nós já circulamos a avenida. Ao leste, um redemoinho de luz matinal rompe através da sujeira e poeira, trazendo com ele uma brisa de ar do mar. A oeste, o primeiro edifício colapsado parece como um gigante caído, bloqueando qualquer retirada pelo trem. Vidros quebrados, os esqueletos de ferro do edifício, lajes e estranhas telas brancas desbotadas caem em torno de nós, um palácio de ruínas.

O que foi isso? Eu vagamente me pergunto. Julian saberia. Só de pensar no nome dele dói, e eu empurro a sensação para longe.

Alguns panos vermelhos são lançados através do ar pálido e eu olho para uma silhueta familiar. Porém não vejo Cal em nenhum lugar e isso me faz ficar terrivelmente assustada.

- Eu não vou embora sem ele.

Shade não se incomoda em perguntar sobre quem eu estou falando. Ele já sabe.

- O príncipe está vindo com a gente. Eu dou a minha palavra.

Minha resposta me lacera por dentro.

- Eu não confio na sua palavra.

Shade é um soldado. Sua vida não tem sido nada fácil e ele não é estranho a sentir dor. Ainda assim, minha declaração o fere profundamente. Eu consigo ver em seu rosto.

Depois eu peço desculpas, digo a mim mesma.

Se mais tarde alguma vez chegar.

Outros mísseis passam por cima de nós, explodindo a algumas ruas de distância. O estrondo distante da explosão não consegue mascarar o ruído mais forte e mais aterrorizante que está aumentando de volume ao nosso redor.

O ritmo de mil pés marchando.

Extraído do livro GLASS SWORD por Victoria Aveyard. Copyright © 2016 por Victoria Aveyard. Reproduzido com permissão da HarperCollins. Em: http://www.mtv.com/news/2285144/glass-sword-excerpt/

Tradução livre. Sem fins lucrativos.





Agora o que nos resta é esperar 2016 chegar pra podermos ler o restante do livro!

Besitos people

2 comentários

  1. UAU, EU ESTOU EM CHOQUE. ESTOU MUITO ANSIOSA PRA 2016, MEU DEUS, VAI SER MARAVILHOSO ESSE LIVRO.

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    1. Despois de ler o primeiro capítulo tb fiquei super ansiosa pra saber o que vai acontecer. Hahaha só que serão 4 livros, ou seja, muita água vai rolar ainda.

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